Sabe aquela sensação de acalento que nos domina quando nos deparamos com um livro com uma dedicatória ou uma carta? De repente, surge diante de nós duas vidas desconhecidas conectadas por aquele livro que, de algum modo, chegou naquela livraria ou biblioteca. Em algumas bibliotecas, como a do ICAM, por exemplo, esses livros podem compor as “Coleções Especiais” porque apresentam dedicatórias e cartas trocadas entre escritores mineiros consagrados. O livro de Salvador Monteiro e Leonel Kaz, “A imagem de Mário”, foi lido primeiramente por ninguém mais, ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, que disse o seguinte:
“Rio, 26.x.84
Caro Salvador e Lemel: não tenho palavras… “A Imagem de Mário” despertou em mim uma bruta emoção. Restituiu-me o amigo, vivo, falante, atuante. Maravilha recriação gráfica, valorizando na justa medida o artista e o homem brasileiro, preocupado com a cultura de uma gente. Mais uma vez vocês fizeram trabalho primoroso, impecável. Maria Julieta, a quem entreguei o segundo exemplar, também ficou encantada. É de coração feliz que agradeço profundamente aos dois. Abraços amigos do Carlos Drummond”
Além da amizade entre Drummond e Mário de Andrade ser bastante conhecida, era igualmente comum que Carlos escrevesse a seus amigos demonstrando suas primeiras impressões e inclusive recebendo opiniões sobre suas próprias obras. Sempre muito afetuoso, as declarações que fazia mostravam uma parte do homem que ocupava o corpo do grande escritor. Um pouco disso é visto nas cartas que trocava com Mário de Andrade, manifestando suas alegrias, frustrações, ideias sobre o Brasil e sobre a literatura brasileira. São nessas cartas que o autor se mostra leitor; cheio de opiniões, concordâncias, discordâncias, gentilezas e saudades.
Foi Carlos Drummond quem escreveu a primeira carta a Mário de Andrade, em 1924. Ele começa relembrando do encontro deles no Grande Hotel em Belo Horizonte, bem ali na Rua da Bahia com a Avenida Augusto de Lima. Drummond recorda a magreza própria e a vivacidade daquele com quem iniciaria o vínculo epistolar até a morte de Mário em 1945. Drummond assim escreve:
“Estou convencido que a questão da literatura no Brasil é uma questão de coragem intelectual. Ou por outra: é preciso convencer-se a gente de que é brasileiro! E ser brasileiro é uma coisa única no mundo; é de uma originalidade delirante. Não confundir com nacionalismo. Aliás, você sabe disso melhor do que eu.”
A consciência em pertencer a uma comunidade literária lhe trazia percepções íntimas sobre o lugar da literatura brasileira no mundo e ainda sobre a proposta do caminho de escrita que eles poderiam construir e consolidar. São essas teias literárias que serão exploradas nesse quadro, trazendo para mais perto de nós, os grandes imortais da Literatura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond de; ANDRADE, Mário de. Carlos & Mário: correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade (inédita) e Mário de Andrade. Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2002. 613 p.
ANDRADE, Mário de. A imagem de Mário: fotobiografia de Mário de Andrade. Rio de Janeiro: Alumbramento/Livroarte Editora, 1998. 187 p. (Arte & literatura. O Modernismo no Brasil ; 1).