Às vésperas do natal desse ano, é proveitoso lembrarmos de uma curiosa associação literária que nasceu no Natal de 1964, a Sabadoyle. O nome, irreverente e curioso, faz a junção entre o “sábado” e o sobrenome de Plínio Doyle, bibliófilo e advogado que, em sua casa no Rio de Janeiro, passou a reunir escritores e leitores de todo tipo nas tardes de sábado. Em 1972, os eventos começaram a receber atas após acontecerem e vinham, geralmente, em forma de poemas. Contudo, em 1984, o itabirano Carlos Drummond de Andrade, que era um participante assíduo, resolveu fazer diferente em honra aos vinte anos de criação do Sabadoyle.
O livreto “Em certa casa da Rua Barão de Jaguaripe: ata de Natal comemorativa dos 20 anos do Sabadoyle (1984)” produzido por Drummond contém um texto crítico e ao mesmo tempo saudoso em relação ao círculo social de intelectuais no Rio de Janeiro. De início, ele expõe que uma vez na semana, se reuniam ali naquele apartamento da rua Barão de Jaguaripe, pessoas que não estavam preocupadas com a situação política do país e que, ali, escritores de todos tipos se encontravam para quebrar a rotina de falar apenas sobre a literatura, além, é claro, de estarem interessados em edificar relações até mesmo românticas.
Drummond conta que o costume de Doyle nasceu num natal no ano de 1964, ano em que o Brasil se via diante do período que viria a ser um dos momentos mais sombrios da história, sob comando de militares até 1985. Segundo o autor, naquele espaço não havia conversas políticas demais para que as pessoas não se expusessem tanto e aquilo tivesse um fim. Além de lamentar os amigos que ainda estavam desaparecidos, Drummond apresenta uma fala bastante contemplativa e chega a explicar:
Estruturou-se, pois, sempre sem estatuto ou convenção expressa, um núcleo, um retiro, uma pousada, um oásis ou que nome lhe caiba, a partir da tarde de sábado, véspera de Natal de 1964 – e digo oásis porque esse foi um ano de muita divisão de espíritos, no plano nacional, e ela não penetrou na discrição desse remanso. E se até hoje permanecem resíduos dessa divisão, é de notar-se que nunca se pôs em xeque a natureza apolítica do pequeno “clube” vespertino. Por isto ele resistiu ao desencontro das opiniões. Por isto se impôs, sem aspirar a tanto, como fato social devidamente inscrito na história intelectual do Rio de Janeiro (p.13).
Veja, o Sabadoyle se reuniu pela última vez em 1998 e, naquele ano de 84, se considerarmos os argumentos de Drummond, o “clube” só teve essa longevidade porque todos os participantes, escritores ou não, leitores ou não, pobres, ricos, “nem pobres e nem ricos”, conseguiram manter a descrição apolítica dos encontros que salvaram a alma de tantos que passaram por lá se para se manterem sãos diante de tanta brutalidade.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Em certa casa da rua Barão de Jaguaripe: ata de Natal comemorativa dos 20 anos do Sabadoyle (1984). Rio de Janeiro: Edições Sabadoyle, 1984. 21 p.