A casa da Menina de Zita Machado

“Para mim, aquela casa era como se fosse um palco. Cada um desempenhando seu papel o melhor possível. Agora a cortina está cerrada. O palco, vazio. Os atores estão em seus camarins, trocando de roupa, se preparando para entrar de novo em cena e terminar o drama. Sim! Tinha que ser um drama. E eu não podia perder aquele espetáculo. Assim, pois, a cabeça borbulhando de fantasia, atravessei a rua correndo. Com firme determinação, empurrei a porta sem bater e entrei.” (p. 19)

Este é um trecho do livro de Zita Machado em “A casa”. O romance relata as memórias da menina cujo nome não é identificado não apenas pela escrita em primeira pessoa, mas também por ela não colocar seu nome em nenhum diálogo. Conhecemos sua vida infantil na casa dos tios “loucos” e sua prima que sofre de epilepsia e de uma desgovernada vontade de distribuir amor aos homens na pequena cidade em que viviam. 

Sobre Zita Machado pouco se sabe. Na edição encontramos que ela ganhou o Prêmio Cidade de Belo Horizonte em 1973. Na orelha do livro, uma longa e afetuosa declaração de Maria Helena Cardoso, que ao que parece, era uma parente de Zita. Na orelha, Maria Helena dá alguns poucos vestígios de Zita: ela tinha uma irmã chamada Isaura, estudaram em Curvelo, gostavam de cantar as cantigas sobre Santa Luzia, ambas eram descendente dos Vianas vindos de Portugal que se instalaram na região do Rio das Velhas e que, um dia, as duas amigas se encontraram em Belo Horizonte. 

Já no romance escrito de Zita, as cidades mineiras saltam das páginas, como no dia em que ela foi à Belo Horizonte a pedido do pai para receber uma herança por “transmissão intervivos” de uma tia rica doente cuidada por uma enfermeira alemã. A idosa abastada estava fazendo uma manobra para burlar as leis que ditavam que o Estado poderia ficar com parte dos bens em uma herança que fosse repartida depois da morte do endinheirado parente. Além da bela capital, a Menina de Zita conta sobre Santa Luzia, Curvelo, Ouro Preto, entre outras que, como disse Maria Helena, carregam beleza parecida. Outra “mineirice” é também o Rio das Velhas; o personagem de fundo alvo de uma angústia que atingia aquela meninice de tempo em tempo e que um dia ficara perto de levá-la para suas correntezas. 

Zita consegue transpor em sua escrita a cultura mineira vista depois de meados do século XX de maneira sem igual: os conventos, as casas, os costumes, as roupas… tudo isso sem perder de vista o sarcasmo e a confiança de fazer o que lhe trouxesse felicidade, sem esquecer daquela casa estranha em que morava com seus tios e prima. Ao final, a Menina, a ponto de ouvir os antigos chamados do rio, diz após o “fim”: “Não mais esconderei este caderno no mais recôndito dos meus guardados. Deixá-lo-ei impudicamente escancarado sobre a mesa. Leia-o quem quiser. Depois atirem-no ao fogo. Por favor.” 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MACHADO, Zita. A casa. 2.ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1975. 158 p. (Coleção Buriti, v.13).

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