Contos e crendices: Cleonice Rainho

“Atravessei perto da ponte, pelos fundos do pomar de jabuticaba, escutava os borbulhos da água do rio descendo. Cortei volta, dei na fonte de água mineral, ferruginosa, aí senti a mão aqui no ombro, escutei a voz: ― É você, mano véio? ― E me desafiando: ― o que ’tá querendo aqui?” (Rainho, 1986, p. 85)

A escrita de Cleonice Rainho é, como este trecho acima aponta, simples e cativante. Nesse conto, “Noite de Ronda”, ela escreve, em primeira pessoa, sobre um rapaz que é ordenado a procurar uma vaca que havia se perdido há dezoito dias. 

Durante a ronda, na noite escura e solitária, o rapaz primeiro encontra essa figura, um homem todo vestido de branco, com chapéu também branco, parado como uma “estátua de neve”. O rapaz, que levava uma carabina, nada responde à inquisição e o homem de branco segue o caminho em silêncio. Pouco adiante, entretanto, o rapaz topa com outra figura, agora todo vestido de preto, o homem pergunta-lhe as horas e o rapaz, apesar de ter um relógio, não o tira do bolso e nem responde o homem que sabia que já se passavam das “doze badaladas”. O homem, contudo, sobe em um cavalo negro com uma estrela branca na testa e logo desaparece. 

O rapaz toma conhecimento na manhã seguinte que as figuras eram fantasmas, almas antes conhecidas que, pelos boatos, se perderam na vida. O homem de branco havia tirado a própria vida devido a impossibilidade de um amor, e em morte, visitava a fonte que a amada costumava beber água, vestido de noivo, buscando honrar o sonho de sua vivacidade. Já o homem de preto amargurava que o cavalo, o Talismã, havia sido roubado sob sua responsabilidade e a doença da vergonha o fez findar a vitalidade. Agora vagava com o cavalo pelo vale dos mortos. 

Este conto compõe o livro “João Mineral” de Cleonice Rainho. A autora nasceu em Além Paraíba em 1919, mas mudou-se para Juiz de Fora ainda criança e lá se formou em Letras Clássicas, tendo inclusive estudado em Portugal. Além de cronista, ela também foi poeta, ficcionista, jornalista e professora universitária. Sua vida como escritora iniciou ainda quando ela era estudante e em seu primeiro livro, de nome “Ternura”, publicado em 1956, ela narrou aspectos de sua experiência como mãe. 

Sua obra de maior sucesso é o livro infantil “Varinha de Condão”, de 1973. Além da literatura, ela também atuou em diversas frentes culturais como na direção da Associação de Cultura Luso-Brasileira, por exemplo. Os prêmios recebidos por Cleonice são numerosos e destacam-se: Prêmio da Cidade de Belo Horizonte; Prêmio da Academia Mineira de Letras e a Comenda Ordem do Infante D. Henrique de Portugal. Suas publicações são, entre outras: “O Chalé verde” (1964); “3KMs e picos” (1980); “Parabéns a você” (1982); “Uma sombra nas ruas” (1984); “O galinho azul” (1976); “O castelo da rainha Bá” (1983); “Torta de maçã” (1983); “Moranguinho e seu festival” (1989); e “O palácio dos peixes” (1996). 

 

 

REFERÊNCIAS

DUARTE, Constância Lima. (Org.). Cleonice Rainho. In: Dicionário biobibliográfico de escritores mineiros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 374 p.

RAINHO, Cleonice. João Mineral. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1983. 88p.

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