Escrita feminina juizforana: Rachel Jardim

Um medo imenso a percorreu de repente e sentiu as pernas tremerem. Agarrou-se ao velho tronco da árvore embaixo da qual tinha se sentado. Ser fixa. A mangueira não tivera nenhuma opção a fazer. Tinha nascido para ficar, permanecer imóvel. “A imobilidade resiste ao tempo”, pensou” (p.4).

A escrita de Rachel Jardim é perturbadoramente íntima, capaz de nos causar um desconforto. Como se, ao ler suas palavras, estivéssemos, ao mesmo tempo, invadindo a individualidade da personagem e revirando nosso próprio interior que se identifica com a sensibilidade transmitida pela autora. 

Nascida em Juiz de Fora em setembro de 1926, Rachel Jardim foi uma grande escritora de contos e romances voltados para a temática do cotidiano, além de abordar a questão feminina de forma política sempre preocupada em defender os direitos das mulheres. 

Seu primeiro livro “Os anos 40” foi lançado em 1973 e, através da obra, demonstra seus interesses em temáticas políticas, sociais e culturais trazendo fragmentos de sua própria vida fazendo com que se encontrem, segundo ela, “a ficção e o real de uma época”. 

O trecho extraído acima é do conto “A última partida de tênis” faz parte do seu segundo livro publicado “Cheiros e ruídos” de 1982. O conto, apesar de breve, representa a angústia adolescente diante da percepção do tempo infinito e o anseio em valorizar a movimentação do efêmero. A personagem não se contenta com a ideia imóvel em ficar na casa de seus avós em que sempre passava as férias e, ao notar que ficar ali significaria que seu tempo seria fixo como a mangueira, ela toma a decisão repentina de se mudar e cursar faculdade no Rio de Janeiro. Antes de ir, ela decide jogar a “última partida de tênis”, partida da qual sairia vencedora. A vitória representaria, igualmente, a despedida vitoriosa de sua adolescência naquele tempo remoto e intangível. 

É curioso que Rachel tenha citado o Rio de Janeiro e, especialmente, uma casa de férias, visto que em 1942, ela mesma havia ido morar neste estado após sair de uma temporada na casa de seus avós em Guaratinguetá. Luciana de Mesquita Silva (2009) analisa essa escrita memorialística de Rachel Jardim e explica que em “Os anos 40”, embora Jardim escrevesse como uma mocinha, estaria ali uma mulher já adulta relembrando seu passado. 

Jardim publicou ainda “Cristaleira invisível” (1982); “Vazio pleno” (1976); “Inventário das cinzas” (1984); “O penhoar chinês” (1987); “Num reino à beira do rio” (junto com Alexei Bueno, no caderno Poético de Murilo Mendes em 2004). A autora faleceu em agosto de 2023, mas deixou um legado inestimável para a literatura mineira. 

 

REFERÊNCIAS

DUARTE, Constância Lima. (Org.). Rachel Jardim. In: Dicionário biobibliográfico de escritores mineiros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 374 p.

JARDIM, Rachel. Cheiros e ruídos: (estórias). Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. 78 p. 

SILVA. Luciana de Mesquita. Rachel Jardim e sua escrita memorialística: a construção de imagens femininas. Revista Literatura em Debate, v. 4, n. 5, p. 130-140, jul.-dez., 2009. Disponível em: https://revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/view/507 Acesso em: 23 ago de 2024.

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