Está na cabeça de toda a gente que o Vale do Jequitinhonha é nascente de cultura, ancestralidade, saberes e riquezas. Foi de lá, da cidade de Araçuaí, que saiu Mestra Pretinha, ou Dona Maria Pretinha; uma grande artesã de cestos, caixas e esteiras feitas de palha de taboa.
Nos anos de 2014, um projeto de valorização cultural da UFMG reuniu diversas entrevistas com pessoas dotadas de um ofício artesanal no Vale do Jequitinhonha e, na coleção “Saberes Plurais: Museu Virtual”, apresentou em vídeo a narrativa biográfica de Dona Pretinha por ninguém mais, ninguém menos do que ela mesma.
Dona Maria Gomes Dias, conhecida como Mestra Pretinha conta que saiu de Araçuaí depois do pai ter notado os poucos recursos naturais que a região dispunha e, devido ao risco de toda família morrer de sede, migraram para Itaobim onde aprendeu o ofício gracioso advindo da trançagem de taboas. Dona Pretinha afirma que desde a infância trabalhava na roça e nunca foi à escola, seus momentos de descanso eram preenchidos pela mãe que dizia “aproveita que vocês tão descansando e lava umas roupas pra mim”, ou mesmo pela feitura de esteiras.
A dureza da vida fez com que Dona Pretinha precisasse trançar esteiras por um mês inteiro para comprar um simples sapato. Ela conta que o ofício com a taboa salvou sua vida, visto que antes, ela vivia no hospital e era tomada pela tristeza e pelo desespero ao ver a miséria. Foi a taboa que lhe trouxe saúde e felicidade. É a taboa que lhe permite resgatar suas memórias de maneira bem humorada, contando sobre seus cochilos em cima das caixas de taboa tirados enquanto trança.
Muito religiosa, Dona Pretinha diz que qualquer pessoa que tiver “a cabeça no lugar” e “pegar com Deus” consegue trançar a taboa e fazer caixas e que este ofício depois de ter se agarrado à cabeça, já não sai mais. À época da entrevista, seus documentos contavam 84 anos, mas ela mesma e sua família, assim como a comunidade, atestaram que ela já possuía cerca de 107 anos. Mais de um século vivido trazendo saberes tradicionais em que a simplicidade andou lado a lado da luta pela sobrevivência. O sonho de Dona Pretinha era que “Deus lhe desse” mais um quartinho, pois sua casinha de três cômodos era pequena demais, mas apesar de tudo, ao ser perguntada sobre como estava a vida, ela sempre respondia que a vida “taboa”.
REFERÊNCIAS
MOURA, Maria Aparecida. (Org.). Mestra Maria Pretinha: Itaobim – Minas Gerais, Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte: UFMG, 2015. 32 p. il. color. ; 12 cm + 1 DVD. (Saberes plurais: museu virtual ; 8).