Um cinema escondido

Outro dia, de dentro do ônibus, me peguei olhando com mais atenção os arredores. A quase chegada à imponente “Praça da Savassi” e o trânsito começando a engasgar o fluxo que os semáforos não conseguiam digerir fez com o que o coletivo parasse em um ponto incomum e aquele movimento me fez olhar pela janela e ver um estacionamento. As paredes brancas, as portas fechadas. De repente, me atentei à estrutura diferente de duas pequenas janelas ao lado de cada porta. A porta do estacionamento, aberta,  permitiu-me ver alguns posters colados na parede. No ponto de ônibus, o nome “Cine Pathé”. Então se encaixou ali as peças que faltavam: aquele prédio que prendera minha atenção um dia fora um cinema. Eu jamais poderia imaginar que no meio da Avenida Cristóvão Colombo um cinema já havia abrilhantado a vida das pessoas. 

Lendo então o livro de Celina Albano, “Cine Pathé”, soube que o lugar foi criado em maio de 1948 pela empresa Cinemas S.A., atendendo a pedidos dos moradores do bairro dos Funcionários, trabalhados das repartições públicas da Praça da Liberdade. A cena cultural da cidade contava com os primeiros cinemas como o Cine Brasil e o Cine da Rua da Bahia inaugurados entre o final da década de 1920 e início da década de 1930, além dos cinemas de bairro que vinham surgindo nas áreas fora do centro como o Cine São Carlos no Padre Eustáquio, criado em 1939; o Santa Teresa em 1944; o São José na rua Platina em 1942; o Santa Efigênia em 1945; o Rosário na rua Jacuí em 1947; entre outros. Essas salas cinematográficas exibiam filmes que estavam em cartaz nos cinemas do centro com valor mais baixo, fazendo o cinema ser mais acessível à população. 

O Cine Pathé então trazia uma nova forma de lazer aos Funcionários, com uma sala capaz de abrigar mil pessoas, com poltronas luxuosas e equipamento de ponta com direito à caixa de ruídos que faziam com que os telespectadores experimentassem as sensações de cada filme. Celina Albano conta, em meio a suas lembranças, a história dos cinemas em Belo Horizonte, trazendo ainda como os momentos políticos impactaram a vida e sobrevivência desses espaços culturais. Inclusive, ela conta sobre o protesto de frequentadores contra o aumento de 80 centavos no preço do ingresso em fevereiro de 1953. 

Ao longo da década de 1980, o Cine Pathé resistiu à alvorada e crescimento da televisão que enterrou a trajetória de muitos cinemas de BH, até mesmo do mais antigo: o Cine Metrópole. O Cine Pathé lutou e foi protegido por seus frequentadores quando se viu ameaçado de fechamento, recebendo 20 mil assinaturas a favor de sua continuação e tombamento. Tombamento este que veio em meados da década de 1990 que protegia tanto o prédio quanto seu uso para fins culturais. Em 1999, entretanto, o grande Cine Pathé vê seu drama terminar de maneira trágica ao perder o tombamento de fins culturais e manter apenas o tombamento de sua fachada e seu foyer. Quantas aventuras aquela sala já não viveu, quantas memórias o Cine Pathé criou. Quantos laços fortaleceu. Quanta história uma simples fachada pode nos trazer…

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBANO, Celina. Cine Pathé. Belo Horizonte: Conceito, 2008. 108 p. (BH. A cidade de cada um ; 11).

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