E a comida lá tem história?

Aquele pão de queijo recém-saído do forno… Aquele tropeiro com bife de pernil e ovo… hmmm! Vi na T.V. uma vez, uma reportagem que mostrava os toucinhos de barriga vendidos ali no Mercado Central, simplesmente de dar água na boca. Vez ou outra a imagem é trazida de volta a minha memória e calhou de hoje ela vir acompanhada de outra pergunta: Qual é a história da comida mineira? Alguém pode se perguntar “Uai, e comida tem história?” Tem. E muita! O historiador José Newton Coelho Meneses organizou um livro apresentando os mais de 300 anos da história da cozinha de Minas Gerais: o “Nossa comida tem história”. Nessa obra o artigo de Juliana de Souza Duarte conversa com a contribuição de Eduardo Frieiro para a história da comida mineira quando ele escreveu “Feijão, angu e couve”, ainda lá na década de 1960. 

Frieiro, nascido em 1889 em Matias Barbosa, um distrito de Juiz de Fora, foi um grande escritor e grande historiador ― ainda que não se considerasse um ― e seu ensaio conseguiu ser pioneiro nos estudos sobre a cozinha mineira, cozinha esta que vai além das comidas e dos pratos típicos e chega a representar práticas e espaços sociais como nenhum outro. Em “Feijão, angu e couve”, Frieiro trabalha com uma ampla variedade de objetos, analisando culturas como a de “comer com os dedos”; como era um jantar de uma família rica carioca; o prato mais consumido em nossas terras que é o tutu à mineira; e até mesmo como era a alimentação dos escravizados. Segundo o autor, a alimentação dada aos escravizados era parca, salgada e, muitas vezes, podre: 

“A alimentação, quase sempre, não passava de feijão bichado e angu mal cozido. Em outros casos, a pobre besta escravizada tinha de se contentar com laranja, banana e farinha de mandioca. E toca a trabalhar.” (Frieiro, 1982, p. 119)

Frieiro explica ainda que os proprietários de gente forneciam apenas a comida necessária para a mínima sobrevivência. Sem sequer tratá-los como pessoas. Após o fim da escravidão legalizada, no sertão mineiro, de acordo com o autor, as condições se mantiveram ou até mesmo pioraram. Isso porque, com os termos de trabalhos dificultados, moradia indigna, e pouca oferta de comida, as pessoas negras se viram tendo de comer “algum peixe, alguma caça, raízes, palmitos e frutas do mato, como pequis (com suas castanhas substanciais), araçás. goiabas, guarirobas, araticuns, cagaiteiras, pitangas” (Frieiro, 1982, p. 123).

Imagine só o tanto de história que se pode contar ao pensar em comida. O café, por exemplo, por muito tempo foi o principal meio de economia do estado. Até hoje exportamos sacas e mais sacas do precioso café das Minas. O Frieiro começa seu livro se perguntando se o mineiro come mal porque, segundo a Juliana Duarte, Alceu Amoroso Lima afirmou uma vez no jornal que o mineiro come pouco e come simples. O Frieiro mostrou então que o mineiro nem come pouco e nem come simples. Os mineiros carregam, assim, costumes alimentícios que incluem o próprio alimento, o consumo, os hábitos de tomar café mesmo no calor; todas as práticas que demonstram, acima de tudo, que sim, “nossa comida tem história”. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. 2 ed. rev. aum. Belo Horizonte: Itatiaia, 1982. 227 p. (Coleção Reconquista do Brasil (Nova Série) ; v.72)

MENESES, José Newton Coelho. (Org.). Nossa comida tem história. Belo Horizonte: Scriptum, 2020. 158 p. 

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