Escrever para lembrar: Edésia Corrêa Rabello

Avenida do Contorno, 6797, Belo Horizonte. Este era o endereço de uma mulher nascida em Diamantina em 12 de outubro de 1879. Essa mulher é Edésia Corrêa Rabello, ou Dedésia, como era chamada em casa. Professora, Edésia escreveu suas lembranças no livro “Lá em casa era assim”, publicado em 1964, trazendo detalhes incríveis sobre suas vivências e sobre os costumes de sua região. 

De início, Edésia conta sobre como seu avô sempre arrumava amas de leite perto do nascimento de algum neto por achar que a filha fosse muito delicada e frágil para amamentar os filhos, mas que ele teria “dormido no ponto” em sua vez, fazendo com que ela fosse a única a ser amamentada pela mãe. Em outro momento, ela conta que devido uma tosse persistente de 24h, teve de ser batizada às pressas e o Padre falhou em registrar sua certidão de batizado, o que lhe gerou várias dores de cabeça mais tarde quando o diretor do Grupo Escolar disse-lhe que não estava matriculada por não ter apresentado o “batistério”. 

A segunda metade do século XIX é marcada por movimentos abolicionistas e discussões sobre a escravatura em todos os âmbitos. Edésia conta, porém, que em sua casa havia escravas de ganho – mulheres escravizadas que trabalhavam fora da casa de seu proprietário e deixavam parte deste ganho para as senhoras; ex-escravizados e nascidos-livres assalariados e, escravizados fugidos que “esperavam papai tratar de sua liberdade”. Seu pai, Francisco Correia Ferreira Rabelo, foi advogado e político da época. Ele chegou a ser deputado provincial e professor, dedicando-se ainda às ideias abolicionistas, se aproximando de Joaquim Nabuco. 

Edésia defendia, igualmente, uma educação plena que não iludisse as crianças, algo contrário à educação da época que defendia a inocência infantil. A professora escreveu à Revista de Ensino do Arquivo Público Mineiro um ensaio a respeito da disciplina de História, apontando seus usos e valores, argumentando que a História é uma disciplina que nos ensina a trabalhar, capaz de analisar as causas das lutas e o que levou à vitória ou à derrota dos sujeitos envolvidos. 

Mulher muito inteligente e empática, conta que após a morte de sua mãe em 1925, se mudou com um primo para Belo Horizonte e comprou, com grandes custos e muita luta, uma casa na Avenida do Contorno, no número 6797. Os meios digitais atuais permitem a visita ao endereço sem sair do lugar. A casa, entretanto, já não existe mais. No lugar, um edifício imponente e luxuoso. Ela contou que depois de lecionar por 28 anos, teve de se aposentar por invalidez devido a um reumatismo que lhe acometeu. Perdera ainda o movimento das pernas e, sem andar, se colocou a lembrar de sua vida, expressar a saudade de seus pais e seus irmãos e do tempo em que “lá era assim”. A casa pode não existir mais, porém, ficam vivas as memórias de Edésia pelas palavras grafadas em um conjunto de papeis amarelados e sem vida que carregam o espírito intenso e majestoso dessa mulher surpreendente.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RABELLO, Edésia Corrêa. Outra vez da História. In: Revista do Ensino. Anno 4, n. 34. 1929. 

______. Lá em casa era assim-. Belo Horizonte: Edição Siderosiana, 1964. 160 p.

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