“Comecei o meu diário porque nesse dia achei qualquer coisa digna de ser contada e fazê-lo a quem? À minha mãe, sempre esquisita, sempre fechada no seu egoísmo, a falar o dia inteiro das suas dores, dos seus males, sempre voltada para si mesma? A alguma amiga, se não confiava em nenhuma? Fazer um diário, narrar a mim mesma aquela nova fase de vida que se iniciava… Os meninos fariam o seu e eu, o meu.”
O trecho acima compõe o início dos relatos da personagem narradora, uma professora, do livro “O bezerro de Ouro” de Bárbara de Araújo”. Na história, a professora, em face de uma decepção emocional na própria vida, decide passar para seus alunos, a tarefa de escrever em um diário. Ela esperava que as pequenas anotações circundassem a mesma temática infantil sobre a rotina pacata do dia e nada mais. E isso até ocorreu com a maioria da turma, menos com o diário de Emanuel.
A escrita do pequeno Emanuel cativou a professora porque o menino escrevia sobre o que ele observava na casa à frente de onde morava. As festas, a rua, as pessoas. Por não ter o que contar de casa, o menino decidiu escrever sobre seus vizinhos, que tinham a vida mais agitada do que a sua, menos difícil do que a sua. A vida de Emanuel foi bem curta: pouco tempo após a tarefa de iniciar um diário, a criança ficou adoentada e morreu, como um passarinho, mansinho. Seus cadernos, entretanto, eram muito bem cuidados e guardados à chave na escrivaninha de seu quarto. A chave foi dada à professora que logo percebeu que, entre os cadernos, estava o diário de Emanuel que aparentemente havia pegado gosto pela coisa e havia continuado a escrita mesmo depois da tarefa ter sido finalizada.
É então que a professora começa a incluir em sua narrativa, transcrições exatas dos textos de Emanuel e as emaranha com suas próprias reflexões e memórias. “O bezerro de ouro” ganha o título pois a mãe da criança morta diz que colocaria um bezerrinho de ouro junto ao filho desfalecido se dinheiro tivesse. A literatura de Bárbara Araújo é, assim, extremamente sensível e comovente.
Bárbara Araújo é, na verdade, o pseudônimo de Zilah Corrêa Araújo, nascida em Campo Belo em 1916. Zilah era formada em Contabilidade e também em Direito pela UFMG e recebeu prêmios tanto na carreira acadêmica quanto na carreira de escritora. “O bezerro de ouro” recebeu o Prêmio João Alphonsus, da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais em 1961, mas só foi publicado em 1970, pela Imprensa Oficial. Suas outras publicações são: “E oferecerás a tua outra face”; “Uma flor sobre o muro”; “Loja das ilusões”; entre outros. Infelizmente, a obra de Zilah é pouco lembrada e as edições já não são facilmente encontradas. Contudo, a autora, evidentemente, contribuiu muito para a Literatura Mineira e Nacional.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Bárbara de. O bezerro de ouro: contos. [S. l.: s. n., 1970?]. 158 p.
DUARTE, Constância Lima. (Org.). Zilah Corrêa Araújo. In: Dicionário biobibliográfico de escritores mineiros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 374 p.