Voltando ao passado: Os silêncios de Bello Horizonte

O antigo arraial de Belo Horizonte foi o território escolhido como o “local onde devêra este grandioso Estado levantar a sua nova capital, formosa, quanto lhe pedem as suas riquezas, extensa, quanto lhe comporte a sua crescida população, e capaz de ser o centro dos variissimos [sic] interesses dos seus habitantes[1]”. Estava bem clara a intenção dos grandes construtores da nova capital de Minas Gerais: Bello Horizonte seria exemplo de organização, de moral e de riqueza. Desde o final do século XIX, todos os projetos apontavam menos para uma cidade industrial e mais para uma cidade administrativa[2], isso porque houve um esforço em acolher a alta classe de empreendedores vindos de Ouro Preto e de, ao mesmo tempo, afastar do espaço “Contornado” aqueles e aquelas que não apenas produziriam agricultura para alimentar a cidade mas também as mãos que construiriam a capital.

Diante disso, encontrar um “Regulamento sobre Mendigos” não surpreende, mas ajuda a localizar os ideais originários belo-horizontinos. O Decreto nº 1435 de dezembro de 1900 para a Prefeitura da Cidade de Minas, publicado em 1901 aponta e normaliza a mendicidade em um país que se deparava com a transição entre o trabalho escravo e o trabalho assalariado, muito embora as raízes da escravidão permanecessem de maneira rizomática fazendo com que este regulamento estabelecesse, igualmente, como as pessoas de classe abastada (privilegiadas e queridas pela Comissão Construtora) deveriam tratar todos os corpos que física, sócio e culturalmente se opusessem a eles.

Neste “Regulamento sobre Mendigos”, assinado por Wenceslau Braz Pereira Gomes, se explicitavam as condições para a mendicância como, por exemplo, ser cadastrado como mendigo na prefeitura, carregar uma placa indicando seu estado e sendo proibido de pedir esmolas fora de seu ponto cadastrado. Em caso da falta de cadastro ou quebra de alguma norma, o indivíduo poderia ser preso estando sujeito à multa. No artigo 4, se lê:

  • 3º Não sendo natural desta cidade, ou não tendo nela família constituída, ou residencia, ha mais de 2 annos, será remettido para a séde do municipio da sua naturalidade, ou residencia anterior a 2 annos, com um officio de participação á auctoridade policial.

Se solidificou, assim, uma fronteira nítida entre quem poderia se estabelecer na “nova capital formosa” e a quem pertencia as margens. Ora, considerando o curto período posterior à Lei Áurea de 13 de Maio de 1888 que não tinha mais de 2 artigos, quem são esses mendigos? Qual a cor desses corpos sujeitos à duras regulamentações cujo fim levavam à privação de liberdade? A quem interessava manter esses sujeitos na sub-humanidade? Quantas vozes foram silenciadas? Quantos silêncios essas ruas largas, prédios altos e praças limpas carregam? Para quem, de fato, Bello Horizonte serviu?

 

[1] Leal, 1895, p. 11.

[2] Simão, 2012.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

BELO HORIZONTE. Decreto n. 1.435, de 27 de dezembro de 1900. Regulamento sobre os Mendigos. Cidade de Minas: Imprensa Official do Estado de Minas, 1901. 7 p.

LEAL, Fabio Nunes. O Arraial de Bello Horizonte. In: REVISTA GERAL DOS TRABALHOS: publicação periódica, descriptiva e estatística, feita com autorização do Governo do Estado. Rio de Janeiro: Typ. H. Lombaerts e C., 1895-1897, p. 11.

SIMÃO, Fábio Luiz Rigueira. Os homens da ordem e a ordem dos homens: vigilância, ação policial, concepções de ordem e legislação municipal em Belo Horizonte (1895-1930). In: Revista de História Econômica & Economia Regional Aplicada – Vol. 7 Nº 12 Jan-Jun 2012.

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